The Walking Dead, Spawn, adaptações e quadrinhos. Uma conversa com Todd McFarlane

Robert Kirkman e Todd McFarlane
Como ele reinterpretou alguns dos importantes super heróis (Hulk, Homem-Aranha, Batman), seus planos para um novo filme mais indie sobre Spawn, e porque ele sente que seu trabalho nunca acaba.

Este mês em seu Twitter você disse que estava em Los Angeles, trabalhando em uma linha de brinquedos baseados em The Walking Dead, lançado este mês em DVD.

Correto. Estamos criando action figures com aparência autêntica, que estarão disponíveis neste outono, a tempo para a segunda temporada. A Image Comics, da qual sou co-proprietário, publica a HQ "The Walking Dead" de Robert Kirkman. Ele está agora por volta da edição 85 e mencionei a alguns dos atores do programa que levaremos a marca Walking Dead por um longo tempo. Todo mundo que descobriu através da AMC chegou um pouco tarde na história. Eu sempre achei que tinha que ser um programa de TV.

Qual a última graphic novel que você leu e pensou que seria um seriado de TV ou filme matador?

Eu poderia ser tendencioso aqui, mas vou escolher Torso, um livro que Brian Bendis e Marc Andreyko lançaram pela Image. É espetacular. Eu vendi os direitos dele para o cinema duas vezes, mas acabou não indo adiante. "Torso" é sobre a queda na carreira de Elliot Ness. Nós todos sabemos como Ness e seus Intocáveis derrubaram Al Capone. Ele foi o herói. Mas Ness morreu acabado aos 44 anos. Ele estava praticamente sem onde viver. A história mostra sua vida em Cleveland e, dependendo dos depoimentos, o primeiro serial killer americano apareceu durante essa época, é o surgimento do termo assassino em série.

Tentamos fazer o filme pela Miramax e depois estivemos com a Paramount por algum tempo. David Fincher foi chamado para dirigir, mas não conseguiu tirá-lo do papel. Este é um daqueles livros que durante a leitura, quando você vê todo o visual, imagina o filme sendo criado na sua cabeça.


Ouvimos sobre um novo filme do Spawn. A série em quadrinhos lançada em 1992 ainda hoje é popular (Spawn #200 estreou em janeiro). Mas o filme de 1997 teve uma recepção modesta. O astro, Michael Jai White, disse que o filme não estava sombrio o suficiente. Você concorda?

Concordo sim. O primeiro Spawn foi um filme de ação com classificação PG-13. Você também pode analisar que tentamos fazer algo à frente de seu tempo. Olhe para todos os filmes de quadrinhos atuais. Essa não era a moda na época. Nós provavelmente deveríamos ter arriscado um pouco mais. Mas a New Line fez bem. Acho que foi o seu filme numero 1 daquele ano.

Lembro de um representante da New Line vindo até mim na segunda ou terça-feira depois do início do filme, e dizendo: "Os dados mostraram que 85% da audiência foi de 14 anos ou mais". Nunca me esqueci das estatísticas, porque eu ficava pensando, da próxima vez podemos subir para uma classificação R. Até lá os jovens de 14 anos terão idade para assistir um filme classificação R, sem supervisão de adultos. Agora, uma vez que, se passaram muitos anos e aqueles jovens têm agora 27 ou 28 anos. Acho que eles estão à procura de algo legal, mais sério, uma versão sombria e assustadora disso tudo.

Há muitas pessoas que pensam que o que fizemos na HBO (com a série animada Spawn) foi a maneira mais legal, porque foi intencionalmente feito com classificação R.

Existe um roteiro pronto?

Tenho 3/4 da história que planejo. Vou terminá-lo e deixar numa prateleira por cerca de uma semana. O que geralmente acontece é que, volto a ele para que eu possa ver todas as falhas. Faço uma reescrita e tenho o rascunho inicial. Então começarei a solicitar comentários de pessoas que eu confio para ver se posso pegar o roteiro e trabalhar. Se não posso, estou aberto para alguém chegar e me ajudar com isso.

Alguns estúdios têm me ligado para falar sobre o projeto, quando entro nessas reuniões mostro o andamento da história. Digo o resumo geral. Então chego na parte não negociável: Eu quero escrever, produzir, e dirigir. É isso aí.

Há apenas uma maneira do estúdio dizer sim, se for um filme de baixo orçamento. Para ser honesto, como produtor, eu não iria me contratar para dirigir um filme de grande orçamento. Existem pessoas mais inteligentes lá fora pra isso. Mas se você está fazendo isso por 10 ou 12 milhões, buscando algum diretor babaca, então me deixe ser o babaca.

Nesta nova versão, não há supervilões, inimigos ou nada disso. É apenas um filme de assombração, algo assustador que salta da noite. Acho que posso fazer isso.

Seus quadrinhos são conhecidos por um estilo visual singular. Você foi uma daquelas crianças que estavam muito ocupadas desenhando no caderno, sem prestar atenção nas aulas?

Recebi um monte de notas "D" em ciência, é isso que você está perguntando? Sim. Eu não tinha olhos muito bons e os professores sempre me colocavam no fundo da sala, assim quando escreviam no quadro não conseguia ver. Não queria usar meus óculos, era muito orgulhoso. Então fazia um monte de rabiscos? Certamente.

Eu era o melhor artista da turma. Há um em cada sala, eu era o do jardim de infância. Lembro que algumas das minhas pinturas foram selecionadas para o material de uma cerimônia de premiação. Tenho a clara lembrança da pintura de uma fazenda - esta é a coisa mais estranha que lembro - quando eu tinha 5 anos de idade. A professora veio até mim e disse: "Todd, é bonito, mas você pintou o céu verde". "Não", eu disse: "Finja que está em uma árvore e você está olhando para o celeiro. Essa é a grama".

Realmente tentei fazer uma perspectiva do celeiro. Acho que estava olhando através de uma ótica diferente do resto dos garotos. A grande questão era, quando crescer, o que farei com isso? Só porque é um rabiscador obsessivo, isso não faz de você um artista. Tive de canalizar tudo.

Não aconteceu até quando completei uns 16 anos, onde decidi comprar algumas revistas em quadrinhos. Não era um colecionador naquela época, era um contato tardio. Acho que tinha alguns amigos falando sobre suas histórias em quadrinhos. Isso pode ter sido o impulso. Então entrei e comprei cinco ou seis delas e voltei para casa e tive um caso de amor instantâneo com todos os quadrinhos. Eu disse: "Uau, isso é isso que vai me ensinar a desenhar".

O que prende você nos quadrinhos?

Não sei. Sou um cara visual. Há algo muito legal no mundo grande e dramático que esses caras vivem. O que é interessante é que não sou um grande fã de filmes de ação. Fico pensando "É, não é realista". Mas pelo fato de ficar tão concentrado na fantasia das histórias em quadrinhos, que quando preciso tomar um ar assisto alguma coisa fora dessa fantasia.

O que vem primeiro para você: história, a arte ou o personagem?
Você começa com o personagem. E se está trabalhando na Marvel ou DC Comics, como fiz no início da minha carreira, ele já existe lá pronto. A maioria dos personagens já tem sua história definida. Quando trabalhei em "The Amazing Spider-Man", o personagem tinha se desenvolvido praticamente da mesma forma por 30 anos, desde meu primeiro contato com ele. Portanto, a questão foi como interpretar visualmente de uma forma um pouco diferente?

Sempre quando assumi qualquer personagem, nunca senti que repetir o que já tinha sido feito seria uma maneira de ter reconhecimento. Como exemplo, se você quiser ser um pintor, não pode pintar como Norman Rockwell. Por que o melhor comentário que alguém fará é "Nossa esse cara pode ser um pouco melhor que Norman Rockwell". Você nunca será capaz de se desvincular dele, e é muito mais provável que você ouvirá "Ah, ele é uma imitação barata de Norman Rockwell". Então, faça suas próprias coisas.

Quando cheguei em "The Incredible Hulk" eu pensei, OK todo mundo já viu o visual verde, um fisiculturista liso. Agora ele está cinza, exatamente como era nas primeiras cinco ou seis edições de Stan Lee e Jack Kirby. Com ele cinza, imaginei Hulk como uma mistura entre Frankenstein e um elefante/rinoceronte algo grande e poderoso. A pele desses animais tem um estilo rachado e ressecado, por isso me permitiu fazer todas aquelas rugas.

Foi uma interpretação visual de que a maioria das pessoas não tinha visto. Às vezes ser diferente, não melhor, apenas diferente, pode marcar um monte de pontos para sua carreira. Então, quando fui fazer o Batman, coloquei a minha interpretação também. As pessoas achavam legal. Tinha um monte de capas pretas e gigantes. Depois com o Homem Aranha coloquei essa aparência nova da roupa, mudei a maneira como ele se balança e até mesmo a aparência das teias. Na época pensei, se você atirar as teias em direção à algo, como uma câmera, e fazer vários ângulos diferentes? Então tive que criar as teias para terem uma aparência tridimensional, diferente da maneira que vinha sendo feito, literalmente por uns 30 anos, que era uma linha com um monte de "X" nela. Parecia simples.

Alguns dos responsáveis na época pensavam que eu estava brincando com o Homem Aranha, porque eu não estava encontrando relevância no que havia sido feito. Eles queriam saber por que não continuar com o clássico? Minha resposta foi que John Romita já tinha feito. Seria uma bobagem eu desenhar igual. Então porque não posso fazer um  Homem Aranha que ninguém jamais viu? Felizmente, as pessoas estavam procurando uma atualização nesse momento e eles gostaram.
Existem tantos quadros em uma única edição...

Cerca de 120 em um livro.

... E você já trabalhou em centenas, talvez milhares, de livros. Isso são muitos quadros. Se você tivesse que escolher um que mais se orgulha, qual seria?

Um apenas. Existem alguns, por motivos diferentes. Mas Vou lhe dar um. Eu estava fazendo "Hulk", e já até a cabeça em "Spider-Man", e o que me deixou frustrado foi que o escritor estava me passando os esboços, e eram densos demais, e eu tinha que encaixar toda a história em sete ou oito quadros de uma página. Eram muitos quadros.

Assim, o escritor mandou a história. Deve ter sido pela edição 338 ou 339. A capa tem um fundo preto. Hulk está voando e segurando Betty em seus braços. Lembro que liguei para o meu editor e disse: "Bob, posso apenas lançar uma idéia para você. Esta história que o escritor enviou, é uma história legal, mas acho que é algo para duas edições, e se você me permitir fazer tudo em duas partes, eu realmente gostaria de poder desenhar um grande Hulk, não sei se vocês notaram, mas esse é o título deste livro! É Hulk, mas continuamos desenhando algo fraco! Ainda não tive a oportunidade de desenhar o cara do jeito que ele deve parecer".

Nesta edição há um momento em que Hulk tem um encontro com Betty, a filha do general, e que você pode ver que ela tem uns 50 kg e ele uns 500 kg. Você apenas fica impressionado. Mesmo se ele der apenas um simples abraço, ela se machucaria.

Tive que evidenciar a cena. Era um Hulk meio caído, o vento soprando e Betty ali, se abraçando sozinha, tremendo no escuro. Você vê aquela pequena mulher indefesa diante desse trem de carga, se bem me lembro, na próxima página ou duas depois, teve um momento de ternura, algo meio que no estilo de a Bela e a Fera. Essa única página transmitia muito em termos de atmosfera, estado de espírito, ternura e medo, tudo estava lá, em um só quadro.

Quanto tempo levou para fazê-lo?

Provavelmente foi muito rápido. Quando você faz cinco quadros, precisa dividir o trabalho em cinco processos de pensamento, para encher a mesma área. Então nesse caso só precisava de uma idéia para esse espaço maior. E tenho que te dizer, meu cérebro ficou doendo para conseguir essa cena. Como falei antes, a história estava muito densa. Provavelmente estava lá sentado gritando comigo mesmo "Só preciso fazer um grande Hulk!”.

Então sua necessidade se libertar pode estar relacionada com o super herói.

Eu literalmente queria algo grandioso no papel. E há também a linguagem corporal. Este Hulk cinza é curvado. Há muito peso sobre ele. Você tem a sensação de que não é fácil de ser tão gigante.

Existe algum quadro que você lutou para terminar?

Você quer dizer se tenho bloqueio para desenhar? Com certeza. Mas se um quadro me confundiu mais do que outro? Não. Provavelmente tinha centenas, senão milhares deles. Cada um, de cada página, não é criado da mesma forma. Às vezes você tem algo na sua cabeça e simplesmente não consegue colocar no papel. Outras vezes, aquilo que você pensou, acabou ficando melhor ainda depois de feito. Quero dizer, as coisas vem e você faz.

Na verdade, a parte frustrante é quando você faz um quadro que sai melhor do que você pensou, e depois não consegue encontrar o mesmo caminho de novo. Você diz, eu sei que está aqui. Eu pensei isso. Você acha que pode fazer outra vez para a próxima página, mas foi embora. É como ser um jogador de beisebol. Você pode fazer mais pontos em um dia e no dia seguinte faz bem menos. O que aconteceu? Estou tendo a mesma pegada. Estou fazendo a mesma coisa. Como é que ontem fiz mais? Não sei.

Desenhar pode ser algo frustrante. Você está correndo atrás de uma perfeição que nunca conseguirá. As neuroses de um artista de revistas em quadrinhos são algo do trabalho, pois logo que você pegar um pedaço de papel em branco pela frente, seu trabalho é preenchê-lo. No momento em que fazer isso, alguém tira e traz outro papel em branco para você. A tarefa nunca acaba. Sempre haverá outra página em branco até você morrer. 
Traduzido e adaptado do site MyDVDInsider.

Comentários